A extrema-direita sacode o espectro político após as eleições presidenciais em Portugal

marinheiro do mar

Lisboa, 25 Jan (EFE).- Portugal vive hoje a ressaca de um dia eleitoral que terminou com a anunciada vitória do conservador Marcelo Rebelo de Sousa como presidente, a queda da esquerda e a ascensão da extrema direita André Ventura.

Confinado pela pandemia, o país optou pela continuidade e moderação representada pelo conservador Rebelo de Sousa – que está a renovar o mandato com 60,7% dos votos -, puniu os partidos de esquerda – os seus três candidatos mal conseguem 20% – e abriu caminho para a extrema direita, em uma convocação dominada pela abstenção -60,5%- que confirma a distância entre sociedade e política.

“É uma noite histórica em que a direita em Portugal se reconfigurou completamente. Pela primeira vez, um partido declarado anti-sistema rompeu o espectro da direita tradicional.” Ventura, líder do Chega (Basta), que com 12% dos votos foi o terceiro candidato mais votado nas eleições presidenciais, confirmou a intenção de usar a sua riqueza eleitoral para abalar o espectro político português.

Com o avanço de Ventura, que estreou com o Chega em 2019 com apenas 1% dos votos, Portugal deixa de ser exceção na Europa e junta-se à lista de países onde a extrema-direita se consolida como força minoritária.

CRACKS NO BIPARTISMO

“Não haverá governo sem o Chega nos próximos anos.” A frase concisa de Ventura pronunciada à meia-noite de domingo é um aviso para os marinheiros. Sem surpresa, o partido já foi fundamental para a governabilidade nos Açores.

Se as eleições presidenciais mostraram que Portugal estava a olhar para o centro com a vitória do conservador Rebelo de Sousa, a extrema-direita aproveitou o descontentamento dos grandes partidos – socialistas e social-democratas – e minou as suas bases.

Ventura está mesmo a progredir no Alentejo, tradicional reduto do Partido Comunista.

O Chega quebrou a barreira social no seu eleitorado, aponta o analista António Costa Pinto. “Sua base social já é multiclasse”, com adeptos no meio rural e entre a classe média alta no meio urbano.

Num contexto de crise social e económica, como o causado pela pandemia em Portugal, “há uma perda de consciência, uma desilusão, não propriamente com a democracia mas com os partidos políticos tradicionais”, explica Isabel David, professora de Políticas Científicas da a Universidade de Lisboa.

“Se não houver uma resposta clara mesmo a nível da União Europeia, se não houver apoio às famílias, às empresas, políticas muito claras de apoio social e económico, existe um risco real de colapso dos sistemas políticos tradicionais na Europa”, alerta o analista.

UMA PRESIDÊNCIA FORTE EM TEMPOS DE PANDEMIA

A de Rebelo de Sousa, 72 anos, esteve longe de ser uma presidência “decorativa”. Durante os cinco anos de seu primeiro mandato, exerceu vigorosamente suas prerrogativas, como o direito de veto: 23 vezes. Ele era um presidente que estava no centro da vida política do país.

Tudo leva a crer que durante o seu segundo e último mandato – a lei portuguesa não permite terceiros – estará ainda mais presente.

“Ele já não se preocupa com nada para sua sobrevivência política e tem um índice de popularidade alto”, disse Costa Pinto.

A prioridade nesta nova etapa, anunciou ontem à noite Rebelo de Sousa, será o combate à pandemia. Será um mandato difícil em meio a uma crise sem precedentes.

Isso pode afetar suas boas relações com o governo do socialista António Costa? Isso pode aumentar as brechas, concordam os analistas, mas o problema fundamental do governo não virá de Rebelo de Sousa, mas de sua capacidade de manter alianças com a esquerda.

MODERAÇÃO PARA UM GOVERNO MINORITÁRIO

Um dos primeiros a felicitar Rebelo de Sousa pela vitória foi o socialista António Costa, primeiro-ministro português, que governa em minoria com acordos precisos com a esquerda e que encontrou um ponto de equilíbrio benéfico com o presidente conservador. . .

Por isso o encorajou a manter essa “frutífera cooperação institucional” em seu segundo mandato.

Rebelo de Sousa implica estabilidade e moderação na Presidência, dois fatores decisivos num país atingido pela crise. Por isso foi a grande aposta de Costa para as eleições presidenciais.

O Partido Socialista, que não apoiou oficialmente a candidatura da ex-deputada socialista Ana Gomes – segunda no domingo mas um dos grandes perdedores da noite, com 13% dos votos, apenas um ponto acima de Ventura -, conseguiu evitar a erosão desta convocação.

Grande parte do eleitorado socialista votou em Rebelo de Sousa e o governo conseguiu “fugir destas eleições”, acredita o analista António Costa Pinto.

Os grandes perdedores da esquerda foram o Bloco – seu candidato caiu de 10% dos candidatos presidenciais anteriores para 4% – e o Partido Comunista, forçado a uma renovação interna que demorou demais.

Os aliados naturais do governo socialista são afetados por essas eleições e o desafio agora é garantir a governabilidade em tempos de pandemia.

MUDANÇAS EM UM ANO ELEITORAL

O próximo desafio eleitoral em Portugal está muito próximo. Após o verão, o país realizará eleições municipais. O Chega conseguirá manter os seus 10%? Os partidos majoritários manterão sua vantagem?

O Chega tornou-se um ator-chave da direita e desenvolveu-se em grande parte à custa do PSD, o partido social-democrata liderado por Rui Rio.

O Rio, que tem uma forte oposição interna em sua formação, evitou a autocrítica e estava prestes a cair na esquerda em sua análise eleitoral.

No entanto, “será bastante difícil formar um governo de direita sem o Chega”, prevê Isabel David.

Ventura está destinado a crescer e aproveitou a campanha para percorrer o país e criar uma estrutura territorial que lhe faltava.

Embora a votação nas eleições presidenciais não possa ser extrapolada para outros eventos eleitorais, se não houver uma resposta contundente à crise, alerta David, a ascensão da extrema-direita “é inevitável”. ECE

mar/pfm/psh

Alex Gouveia

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