Portugal: dilema educativo após sucesso

O PISA 2015 foi a confirmação de uma tendência ascendente imparável na educação portuguesa. Desde 2000, melhorias de cerca de 30 pontos em Ciências e Matemática; de quase 40 em Língua. O TIMSS desse mesmo ano refletia uma realidade próxima de um milagre: um aumento na matemática desde 1995 que não atingiu nem um fio de cabelo os 100 pontos (do 43º lugar entre 46 para quase o top 10 entre os países desenvolvidos). Dados pelos quais Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE, reserva os maiores elogios ao nosso vizinho: “O maior sucesso da Europa”, declarou em diversas ocasiões.

Ao pensar em como preparar a receita portuguesa, muitos focam-se nos testes de nível de língua e matemática que, desde 2005, todos os alunos do 9.º ano (3.º ESO) realizam. Exames que contam para a nota final e que podem decidir a passagem ao curso seguinte. A ligação de causa e efeito é aqui revelada sem qualquer dúvida: o maior aumento no PISA, de cerca de 20 pontos nos três domínios analisados, ocorreu entre as edições de 2006 e 2009. margem estreita, depois de quatro anos, a medida (então) controversa deu frutos suculentos.

Os estudantes portugueses são muito bons a reproduzir conteúdos, mas menos bons a extrapolar o que sabem e a aplicar os seus conhecimentos a novos contextos.

Clima de demanda

Esta fórmula foi alargada em 2012 aos 4.º e 6.º anos do ensino primário pelo anterior governo de centro-direita (2011-15). Depois de comparar as suas vantagens com o ensino secundário, o então Ministro da Educação, Nuno Crato, optou sem hesitação pelo modelo geral de incentivo e castigo durante a escolaridade obrigatória. Equipamentos ultrapassados ​​que os socialistas têm desmantelado desde que chegaram ao poder em 2015. Hoje, a prova do 9.º ano sobrevive, mas as provas do 4.º e 6.º anos foram substituídas por avaliações diagnósticas sem consequências académicas para o aluno.

“É um erro, ninguém os leva realmente a sério; apenas conduzem a uma atitude mais indiferente por parte dos alunos, professores e funcionários da educação”, afirma João Marôco, investigador e diretor do Instituto de Avaliação Educacional (IAVE entre 2014 e 2017. Marôco sustenta que). a generalização dos exames finais tinha criado um “clima de exigência” em que “os professores ensinavam com mais cuidado e qualidade, tentando concluir todos os programas”. Sem esquecer a forte concorrência entre estudantes e escolas, incluído o ranking dos centros publicado anualmente.

Portugal representa a maior história de sucesso da Europa, afirma o diretor do PISA, Andreas Schleicher

Daniela Gonçalves, coordenadora de formação da Escola Superior de Educação “Paula Frassinetti”, admite que esta política focada na responsabilidade trouxe “rigor e maior reflexão ao processo de ensino”. Mas alerta para os seus efeitos nocivos: “Existe o risco de formar mecanicamente os alunos e de criar uma atmosfera na sala de aula em que a lógica tradicional ou aprender a pensar, e muito menos a inovação, não importa”. O próprio Schleicher admitiu numa entrevista ao jornal Público publicada em 2017 que “os estudantes portugueses são muito bons a reproduzir conteúdos, mas não muito bons a extrapolar o que sabem e a aplicar os seus conhecimentos a novos contextos.

Talvez os exames tenham sido apenas a ponta do iceberg numa transformação estrutural mais profunda. Uma virada de barra visando apoiar a construção de aprendizagens sobre bases linguístico-matemáticas sólidas.

No início do século, antes da introdução do exame do 9.º ano, o sistema português caminhava para a excelência na língua e na matemática. Aos poucos, o tempo letivo dedicado às duas disciplinas foi aumentando (até atingir, segundo o último TIMSS, 275 horas para Matemática no 4.º ano, um recorde no relatório). Obviamente, isso ocorreu em detrimento das demais disciplinas, principalmente das humanidades.

Foram também definidos objectivos educativos para as duas áreas fundamentais que os professores devem respeitar sem excepção. Ao mesmo tempo, o sistema português começou a tecer uma sofisticada rede de apoio e reforço para os alunos que tinham dificuldade em acompanhar o ritmo elevado imposto nas aulas.

Itinerário holístico
Desde que os socialistas chegaram ao poder, a ordem de prioridades mudou no sentido de um maior equilíbrio na carga docente. “O objetivo é traçar um percurso educativo holístico e coerente que favoreça as exigências, mas também a reflexão, a curiosidade e a noção de cidadania democrática. Reúne todas as disciplinas em prol do desenvolvimento humano, social, cultural, cognitivo e cívico do aluno”, explica Gonçalves. Menos entusiasmado, Marôco teme que “dedicar tempo às disciplinas mais fracassadas” impeça uma “literacia linguística e lógico-dedutiva” óptima, e que sem isso a aprendizagem do aluno noutras áreas e “tudo ao longo da vida” seja reduzida. seriamente comprometido.

Mais uma medalha brilha nas conquistas educativas portuguesas. Menos elogiada do que a descolagem nas avaliações internacionais, com uma influência mediática mais modesta, esta é talvez uma conquista mais importante para a juventude do país. Desde o início deste século, as taxas de abandono escolar caíram de mais de 40% para menos de 15%. Centenas de milhares de crianças que teriam deitado fora os seus lápis se não tivessem recebido formação e que, depois de concluírem o ensino básico, continuaram a estudar para obterem um diploma.

O aumento da escolaridade mínima para 18 anos, aprovado em 2009, deu ao sistema maior margem de manobra para reter alunos em risco de abandono escolar. A medida foi acompanhada, alguns anos depois, de um reforço definitivo ao Programa TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), que existia desde 1996 e do qual beneficiam atualmente 137 agrupamentos de escolas de zonas socioeconomicamente desfavorecidas. Um centro TEIP tem melhor financiamento e mais autonomia para gerar projetos educacionais adaptados ao seu ambiente. Um exemplo bem-sucedido de discriminação positiva que, segundo Gonçalves, “contribuiu decisivamente” para que a classe se voltasse – até onde fosse necessário – para uma verdadeira igualdade de oportunidades.

De acordo com a estratégia TEIP, Portugal optou pela formação profissional como meio preferido para corrigir trajetórias erráticas. Há mais de 10 anos que os institutos normais têm a possibilidade de agregar à sua oferta diplomas de formação profissional, área anteriormente abrangida exclusivamente pelas escolas profissionais. O aumento exponencial das vagas disponíveis que, acompanhado de uma maior flexibilidade de acesso e de sucessivas campanhas de prestígio, fez disparar o número de alunos que optam por esta modalidade nos últimos anos do ensino secundário: de um pouco mais de 30.000 no início do última década até que existam atualmente quase 110.000, ou 43% do total de registos. “São estudantes que têm pouco interesse pelo ensino tradicional que os forma para o ensino superior e que encontram nestes percursos alternativos uma abordagem mais prática e orientada para os seus interesses”, resume Marôco.

Treinamento de professor

Não faltam vozes que também ligam o despertar educativo português ao progresso na formação de professores. “Estão fortemente empenhados no processo, para melhorar as experiências de aprendizagem formando professores em metodologias inovadoras, e assim incentivando-os a terem mais ferramentas para lidar com a diversidade de formas de aprender”, sublinha Susana Aguado, professora de ciências da educação na Universidade . a Universidade de Oviedo. Marôco acrescenta que o seu país soube aproveitar a inércia de Bolonha para reforçar a “formação pedagógica” dos professores, que antes, recorda, “poderiam lecionar sem sequer terem obtido o diploma”. Contudo, Gonçalves nega – por simples impossibilidade cronológica – que esta maior exigência tenha tido um impacto significativo no sucesso do sistema: “a maioria dos profissionais de classe foram formados há muito tempo; “Poucos jovens professores conseguem emprego. »

Uma mancha que continua a manchar o panorama saudável da educação portuguesa. A amostra do PISA 2015 revelou um facto preocupante: mais de 30% dos estudantes de 15 anos estavam abaixo da faixa etária correspondente. Alguns optam por ver a garrafa meio cheia. Cheios de esperança, prevêem um Portugal lado a lado (desde que consiga combater a sua elevada taxa de repetência) com os ferozes tigres do Oriente que governam a educação global com mão de ferro.

Alex Gouveia

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