- Alejandra Martins
- BBC News World
Qual é a temperatura mais baixa que você pode imaginar? O mais baixo registrado na Terra é -89.2℃ na Antártica. Em alguns lugares da Lua, pode cair abaixo de -200℃.
Mas uma equipe internacional de cientistas atingiu uma temperatura ainda mais baixa, a mais baixa já medida no universo.
Pesquisadores da Rice University, nos Estados Unidos, e da Kyoto University, no Japão, obtiveram uma temperatura de laboratório 3 bilhões de vezes mais frio que o espaço interestelar.
Os cientistas usaram feixes de laser para resfriar os átomos a uma temperatura de apenas um bilionésimo de grau acima de -273,15 ℃, zero absoluto na escala Kelvin. Esta é a temperatura na qual todo o movimento dos átomos cessa completamente.
O experimento não é apenas uma grande conquista em nível de laboratório. Também “abre as portas para o desenvolvimento de novos materiais com propriedades inimagináveis“Francisco José Torcal-Milla, professor do Departamento de Física Aplicada da Universidade de Zaragoza, disse à BBC Mundo.
Em temperaturas próximas do zero absoluto, o hélio, por exemplo, “torna-se superfluido, estado caracterizado pela ausência total de viscosidade. Isto significa que pode atravessar paredes e qualquer tipo de material, poroso ou não, e subir pelas paredes dos contentores que o contêm”, acrescentou o especialista espanhol.
Um dos autores do experimento e do estudo que o descreve é o físico atômico mexicano Eduardo Ibarra García Padilla, que após concluir seu doutorado na Rice University é agora pesquisador de pós-doutorado na University of California Davis.
Ibarra disse à BBC Mundo que existem fases da matéria que só são acessíveis nas temperaturas mais baixas.
E acessar essas temperaturas e fases nos permitirá entender melhor problemas físicos como “supercondutividade em óxidos de cobre, que terão importantes aplicações tecnológicas”.
Como foi a experiência?
Pesquisadores dos Estados Unidos e do Japão baixaram a temperatura a níveis extremos de átomos de itérbio, uma terra rara que é um elemento químico da tabela periódica de símbolo Yb.
Para conseguir isso, eles usaram “técnicas de resfriamento com lasers e resfriamento evaporativoexplicou Ibarra.
“Esfriamento evaporativo É como quando você toma uma sopa bem quente. O que fazemos é soprar a sopa; com isso, retiramos as partículas mais quentes e, assim, resfriamos a sopa”, explica o físico mexicano.
“Os experimentos fazem o mesmo: brincamos com a armadilha de luz onde os átomos estão presos e removemos os átomos mais quentes e, portanto, resfriamos o sistema”.
O que são essas armadilhas de luz?
Torcal-Milla, que escreveu um Artigo divulgação da experiência, disse à BBC Mundo que o procedimento é cercado pela mais alta tecnologia.
Comenza por sublimar (converter diretamente de sólido para gás sem passar para o estado líquido) átomos de iterbio. do mesmo”.
“Uma vez obtido o gás diluído, ele é mantido em uma câmara onde foi criado um vácuo extremo e os átomos são presos por armadilhas ópticas, que são como fitas de luz“.
“Então feixes de laser os atingem de diferentes direções. Os fótons de laser, quando interagem com os átomos de gás em turbilhão, os desaceleram, diminuindo sua velocidade média e, portanto, sua temperatura.”
Onde foi feito o experimento?
O laboratório onde a temperatura recorde foi atingida está localizado na Universidade de Kyoto. O grupo liderado por Yoshiro Takahashi e Shintaro Taie trabalhou lá.
“Fornecemos a parte teórica e numérica do estudo, o que nos permite extrair as temperaturas em que os experimentos foram realizados”, disse Ibarra.
Um dos locais mais conhecidos por seus testes de baixa temperatura é o Cold Atom Laboratory, CAL, na Estação Espacial Internacional.
O CAL tem a vantagem da ausência de peso, embora Ibarra tenha apontado que a ausência de peso não era necessária para os estudos realizados nesta ocasião.
Torcal Milla acredita que seria interessante realizar esses experimentos a bordo da Estação Espacial Internacional, “porque apesar de a interação gravitacional sofrida por átomos individuais devido à Terra ser pequena, torna-se ainda mais importante que as outras interações são menores”. . “.
Como o comportamento da matéria muda?
Ibarra explicou que “na natureza existem dois tipos de partículas, bósons (como fótons em um laser) e férmions (como elétrons em um sólido), que exibem comportamentos diferentes em temperaturas muito baixas”.
Os cientistas usaram um isótopo de itérbio chamado 173Yb, que é um férmion.
Em temperaturas tão baixas quanto as alcançadas no experimento, a matéria se comporta de maneira extraordinária.
Torcal-Milla explicou que, no caso dos bósons, todos eles caem em um estado de energia mínima chamado estado fundamental no qual se tornam indistinguíveis, chamado condensado de Bose-Einstein.
Se, ao contrário, são férmions (partículas fundamentais que compõem a matéria), tornam-se o que se chama de gás ou líquido de Fermi, capaz de escalar paredes ou mesmo atravessá-las.
Os exemplos mais conhecidos de comportamento estranho em baixas temperaturas são supercondutividade e superfluidez. A supercondutividade ocorre quando uma substância é capaz de transmitir eletricidade sem oferecer resistência.
Por outro lado, a superfluidez é a perda total de viscosidade de uma substância. Este estado da matéria pode ser alcançado por um líquido de Fermi a temperaturas extremamente baixas, muito próximas do zero absoluto.
Nessas temperaturas, quase tudo congela, exceto alguns isótopos de hélio, que se tornam superfluidos. Nesse estado, o fluido é capaz de escalar as paredes do recipiente que o contém.
Que aplicações futuras este tipo de experiência poderia ter?
Ibarra apontou para a BBC Mundo que, à medida que atingimos temperaturas mais baixas, diferentes fases exóticas da matéria aparecerão. Estes podem ter propriedades magnéticas ou de transporte completamente diferentes de outros materiais.
No caso de uma supercondutividade futura de óxidos de cobre, por exemplo, uma possível aplicação segundo o especialista mexicano é a proposta de usar supercondutores para levitação de trem.
“Um exemplo são os trens maglev. Mas acho que provavelmente serão úteis para outras aplicações, pois é uma questão de poder ter corrente elétrica sem perdas.”
Para Torcal-Milla, “toda experiência que avança o conhecimento é importante, por menor que seja. Se pudéssemos dizer aos nossos avós que com um pequeno aparelho que carrego no bolso, posso acessar todas as informações que preciso e também conversar e até instantaneamente ver uma pessoa que está em mundos diferentes, eles nos chamariam de loucos ou charlatães”.
“Algumas descobertas têm que esperar para serem aplicadas e podem ser, mas não há dúvida de que eles nos revelarão uma nova física, que nem podemos prever“, acrescentou o especialista espanhol à BBC Mundo.
“Quem sabe se estudar esses sistemas pode revelar uma nova física que nos leve à teoria definitiva que unifica todas as forças fundamentais, ou revela propriedades da matéria em níveis microscópicos, ainda desconhecidos.”
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