Mais de um século depois de sua abolição, o legado da escravidão continua “atormentando” o Brasil, um país “racista” que mantém uma “política de genocídio” contra a população negra, diz o escritor brasileiro Laurentino Gomes em entrevista à Efe.
“Há um legado de escravidão que nos atormenta, nos surpreende, nos desafia a cada dia”, diz Gomes, que acaba de lançar o último volume de uma trilogia sobre escravidão (“L’slavery tome III: Da independência do Brasil ao lei áurea”).
A sua trilogia começa com o primeiro leilão de escravos em Portugal e agora termina com um livro centrado na Independência do Brasil, que este ano marca dois séculos, e na luta do movimento abolicionista.
O Brasil era o maior território escravista do Ocidente, com quase 5 milhões de homens e mulheres escravizados ao longo de três séculos, e o último da América a acabar com a prática pela Lei Áurea, sancionada pela princesa Isabel em 1888.
Apesar de sua abolição, o legado da escravidão, diz ele, perdura até hoje em todo o Brasil, tanto na geografia, quanto nas estatísticas e no comportamento de uma população que continua sendo “muito racista e intolerante”.
“Os abolicionistas defendiam uma segunda abolição: não bastava deixar de comprar e vender pessoas, era preciso também dar-lhes terra, trabalho, educação… cujo trabalho é resultado de 10 anos de pesquisa em 12 países em três continentes.
Já os afrodescendentes são deixados à própria sorte, “excluídos das periferias” do país, “em regiões abandonadas pelo Estado e muitas vezes dominadas pelo crime”, com os piores empregos e condições de vida, apesar da fato de representarem mais da metade da população.
Por isso, Gomes defende a ideia de que os negros brasileiros “foram e continuam sendo” vítimas “de um processo sistemático de genocídio”.
“A grande maioria dos jovens assassinados na periferia são negros. As estatísticas são impressionantes, são milhares e milhares de negros que morrem ou estão presos no sistema prisional, é a maior população carcerária do Brasil. é genocídio, extermínio”, argumenta.
O genocídio, diz ele, também assume a forma de um “apagamento da memória cultural africana” ou “negação de um futuro aos afrodescendentes”.
Nesse sentido, Gomes relembrou uma declaração feita pelo presidente brasileiro, o ultradireitista Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral de 2018, quando disse que os descendentes de escravos “já não servem nem para a procriação”.
“É uma mentalidade genocida”, disse ele.
O GOVERNO BOLSONARO E A ESCRAVIDÃO BRASIL NO SÉCULO XVIII
Para o escritor, o governo Bolsonaro representa o Brasil escravista do século 18, com uma “mentalidade masculina e misógina” que usa políticas e linguagem “racistas” e “opressivas”.
“É um Brasil muito reacionário e perigoso, que reproduz um discurso de opressão, de grande injustiça”, aponta.
Em meio a um ano eleitoral e com o país polarizado entre o candidato à reeleição Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito nas pesquisas, Gomes ressalta que o “grave problema racial” que o Brasil enfrenta deve ser resolvido no ” votos” com a eleição de políticos que “promovam uma segunda abolição”.
Apesar do movimento negro não ser forte nas ruas do Brasil, ao contrário de outros países como os Estados Unidos, Gomes garante que a conscientização social sobre a questão racial aumentou nos últimos anos e começou a ser incluída nos debates sociais. .
“As sementes são plantadas pela primeira vez e os frutos virão depois, desde que insistamos no caminho da democracia e fujamos da tentação autoritária que continua intensa em parte da população brasileira”, conclui.
Alba Santander
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