PORTO.- No dia 10 de março do ano passado, uma espetacular operação policial despertou o interesse da imprensa nacional e internacional. Recuperando-se da eclosão da guerra ucraniana, A polícia portuguesa deteve o Rabino do Porto Daniel Litvak, e saquearam várias propriedades da comunidade judaica devido a uma investigação sobre várias acusações de corrupção, alguns relacionados com a atribuição da nacionalidade portuguesa a Roman Abramovich. O oligarca russo, famoso por tendo possuído clube de futebol de Londres Chelseaé uma das pessoas mais ricas do mundo e muito próxima do presidente russo, Vladimir Poutine.
O escândalo tinha todos os ingredientes para viralizar: corrupção com personalidades milionárias que destaca os privilégios da elite capitalista global e, além disso, ajuda um famoso magnata do círculo de Putin a escapar das sanções europeias pela guerra na Ucrânia. No entanto, quinze meses depois, a situação é mais confusa.. A investigação está bloqueada, um Tribunal da Relação retirou a maior parte das medidas cautelares contra Litvak, que vive entre Portugal e Israel, e a comunidade judaica do Porto denuncia veementemente ser vítima de um anti-semitismo enraizado.
“Não foi possível provar qualquer ilegalidade. Este é um caso flagrante de anti-semitismo. Aproveitaram o clima que existia com a guerra na Ucrânia para pressionar por uma mudança na lei“, ele discute gabriel senderowicz, presidente da comunidade judaica do Porto. Por “lei”, refere-se ao regulamento aprovado em 2015 que concede a nacionalidade portuguesa a quem provar ser descendente de judeus sefarditas expulsos há mais de cinco séculos pela intolerância católica. Inspirado por legislação espanhola promovido pelo presidente espanhol Rodriguez Zapaterovisa proporcionar uma compensação moral às vítimas da Inquisição.
Logo após o escândalo estourar, a lei foi alterada para incluir outra cláusula ambígua: “ter laços com Portugal”. Além disso, em abril passado, foi imposta uma limitação ao período durante o qual a nacionalidade pode ser reivindicada: no final deste ano. Atualmente, cerca de 60.000 petições já foram aceitas e outras 50.000 estão em andamento. “Respeitamos que eles queiram introduzir mudanças na lei, até mesmo eliminá-la, mas não assim”, disse Senderowicz. “Foi montado um espetáculo midiático inútil, que só pode ser explicado por razões políticas. Se eles quisessem questionar o rabino Litvak, bastava chamá-lo e convocá-lo.”Adicionar.
O processo de verificação da descendência sefardita costuma ser complexo porque muitos documentos da época foram destruídos. A comunidade judaica do Porto trabalha em colaboração com os rabinos do local de residência dos demandantes. Os críticos defendem que o processo não é rigoroso e que no Porto tem sido utilizado como fonte de negócio. “Cobramos uma taxa de 250 euros por pedido e as autoridades não encontraram vestígios de pagamentos ocultosSenderowicz se defende, nem mesmo no caso de Abramovich, cuja origem sefardita é indiscutível.
Com efeito, o processo de nacionalização do magnata russo, que culminou em abril de 2021, foi muito mais rápido que o normal -nove semanas, em vez de uma média de dois anos-, mas a diferença deveu-se sobretudo à celeridade das autoridades administrativas portuguesas. Por exemplo, a polícia judiciária certificou em poucas horas que não existiam processos pendentes no estrangeiro. Por esta razão, o governo abriu uma investigação interna dentro da administração portuguesa.
Seis meses após a prisão do rabino Litvak, o tribunal retirou a maioria das medidas preventivas tomadas contra ele, como a proibição de viajar. Os juízes criticaram o trabalho dos promotores e da polícia, já que o caso não continha nenhuma prova concreta de atividade criminosa, além de “generalidades”. Litvak, de nacionalidade argentina mas que vive a meio caminho entre Portugal e Israel, descreve o sucedido como “inacreditável”. Além disso, agradece a reação das autoridades argentinas. “A embaixada foi incomparável”, disse ele por e-mail.
Para as pessoas sob investigação, o fato de a investigação ter sido aberta por um reclamação anônima lembrou os procedimentos arbitrários da Inquisição. “Temos visto uma atitude antissemita por parte da polícia, dos políticos e principalmente da mídia. Eles nos acusaram de nos tornar milionários enquanto todos os rendimentos foram para financiar atividades comunitárias”, reclama Senderowicz.
Paul Curao jornalista que cobriu as notícias do jornal português Publico considera “doidos” para falar de anti-semitismo e comparar a situação em Portugal e na Alemanha nazi.” Só fizemos a crítica na comunidade do Porto, não noutras, como Lisboa. E muitos judeus concordam conosco”, defende o jornalista, que diz ter recebido ameaças.
“No debate público em Portugal não há discurso anti-semita. A polémica gira em torno da concessão da nacionalidade portuguesa a personalidades duvidosas, quer pelas suas alegadas origens sefarditas, quer pelo visto gold. O governo se sentiu constrangido com o caso Abramovich”, afirmou. cientista político Filipe Teles. O programa “golden visa” refere-se à lei que concede a nacionalidade portuguesa em troca de investimentos de um milhão de dólares, medida aprovada em plena “crise do euro”, quando as finanças portuguesas eram fiscalizadas pela UE.
O escândalo abalou a comunidade judaica do Porto que, com mais de mil membros, afirma ser a mais dinâmica da Península Ibérica. Durante uma década, a comunidade desenvolveu-se de forma notável com a chegada de dezenas de judeus de todo o mundo, o que permitiu a abertura de um museu sobre a história da comunidade judaica no Porto, e outro sobre o Holocausto. Curado atribui este crescimento ao “negócio da nacionalidade”, que passaria por escritórios de advogados ligados à comunidade mais do que os 250 euros de taxas oficiais. Senderowicz está convencido de que a justiça os absolverá, mas suspeita que a investigação vai durar anos e que sua imagem pública nunca será reabilitada.
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