A ecoansiedade foi apresentada em uma das sessões da XLI reunião anual do Sociedade Espanhola de Epidemiologia e o XVIII Congresso da Associação Portuguesa de Epidemiologia (APE), que se realiza desde terça-feira no Porto. Segundo o SEE, a ecoansiedade poderia ser definida como “grande agitação, insegurança e preocupação com as consequências da das Alterações Climáticas no planeta e nas pessoas”. Esta é uma resposta em princípio lógica à actual crise climática que, se crônicapode se tornar um transtorno mental que condiciona a vida de quem o sofre.
“Este medo patológico do futuro, de que começámos a falar há alguns anos, não afecta todas as pessoas ou todas as classes sociais da mesma forma, mesmo que os especialistas concordem que nos próximos anos este será um fenómeno cada vez mais comum, ” explica a SEE em comunicado de imprensa.
Além da perda de saúde mental, no campo epidemiológico, as alterações climáticas poderão levar a uma maior prevalência dee alergias, doenças respiratórias, doenças infecciosas e até migrações involuntáriaso aumento de certos cânceres aceno reemergência de doenças que teriam sido erradicados em certas áreas geográficas. “Isto, aliado a ondas de calor cada vez mais frequentes e prolongadas, leva-nos a acreditar que aumentará o número de pessoas afetadas por diferentes níveis de ansiedade ecológica”, alerta. Maria Pastor-ValeroProfessor de Medicina preventiva e saúde pública da Universidade Miguel Hernández de Elche, que participou esta sexta-feira no XLI Encontro Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia (SEE) e no XVIII Congresso da Associação Portuguesa de Epidemiologia (APE).
Pastor-Valero é um dos pesquisadores que realizou o estudo’O efeito da crise climática na saúde mental sobre a população da periferia da cidade de São Paulo’, elaborado em conjunto por professores da UMH e da Universidade de São Paulo.
“Isto, aliado a ondas de calor cada vez mais frequentes e prolongadas, leva-nos a acreditar que o número de pessoas afetadas por diferentes níveis de ansiedade ecológica irá aumentar”
Neste documento foi analisado o impacto das alterações climáticas em três grupos de jovens da população vulnerável residente na periferia (favelas), em dois grupos de estudantes universitários de classe média alta, e em um grupo de mulheres negras líderes comunitárias na cidade de São Paulo, deixando claro que a gravidade do impacto é uma questão de classe social. “O impacto das alterações climáticas na saúde depende da experiência diária. Os moradores das favelas reconheceram os efeitos diretos sobre suas saúde física e mental, ataque de pânico, estresse pós-traumático, um aumento de cancros e doenças infecciosas e respiratórias. Pelo contrário, os universitários têm uma história mais intelectualizada, conhecem os efeitos das alterações climáticas graças aos estímulos que receberam durante a sua formação, mas não a partir de experiências diretas”, sublinha o investigador.
Embora o estudo seja baseado em jovens da cidade de São Paulo, seus principais achados podem ser extrapolados para outras regiões do mundo com características semelhantes, e o resumo é simples: quanto maior a vulnerabilidade, maior o risco de sofrer os efeitos é ótimo. mudanças climáticas e, consequentemente, ecoansiedade. “Há alguns regiões geográficas que são e serão mais afectados pelo impacto das alterações climáticas e que tendem a coincidir com países mais pobres, com maiores desigualdades sociais e com maior proporção de população exposta. As desigualdades sociais são causa e consequência do impacto das mudanças climáticas”, afirma Pastor-Valero. São lugares como África Subsaariana, América Latina ou Sudeste Asiáticoe populações cujos meios de subsistência estão diretamente ligados à natureza e ao meio ambiente, como as populações rurais e indígenas.
As mulheres também, porque estão mais preocupadas do que os homens com o impacto das alterações climáticas.
Embora existam poucos estudos sobre a eco-ansiedade e os mecanismos pelos quais esta pode causar doenças em algumas pessoas ainda não sejam conhecidos, as crianças e os jovens, crescendo num mundo onde têm de enfrentar os estragos da crise climática, serão os mais afetados. As mulheres também, porque estão mais preocupadas com o impacto da alterações climáticas do que os homens.
Sobre os sentimentos que a ecoansiedade desperta, Pastor-Valero destaca que o raiva, ansiedade e desamparo, bem como tristeza e angústia. Às vezes, a ecoansiedade é acompanhada de sentimento de culpa, principalmente no caso de grupos sociais mais privilegiados, e de passividade. “Há quem perceba que o problema das alterações climáticas é tão grande que os sobrecarrega e adopte uma atitude de negligência ou inacção”, afirma o especialista, que, em todo o caso, considera que este medo do futuro é justificado. “Basta olhar para o stress térmico causado pelas constantes ondas de calor que estamos a viver este verão em toda a bacia do Mediterrâneo e noutras partes do mundo”, sublinha.
Na Espanha, Mortalidade por calor extremo em 2022 quintuplicou em relação aos anos anteriores, e Pastor-Valero alerta que a tendência desta mortalidade é para a desigualdade. “São as pessoas mais vulneráveis e com menos recursos que correm maior risco de morrer devido a este calor extremo. »
María Pastor-Valero participou da mesa espontânea “Eco-ansiedade e o medo das mudanças climáticas: determinantes e consequências para a saúde pública’, no qual também esteve presente como coordenadora ao lado Ana Isabel Ribeiro, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Apresentou um estudo sistemático sobre alterações climáticas e saúde e abordou outras questões como ecoansiedade em adolescentes ou protecção da saúde na adaptação local às alterações climáticas.
A XLI Reunião Anual da Sociedade Espanhola de Epidemiologia e o XVIII Congresso da Associação Portuguesa de Epidemiologia (APE), que decorrem desde terça-feira no Porto, terminam esta sexta-feira com um painel sobre como a epidemiologia tem contribuído para as opções de política de saúde.
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