10 de julho de 2023 • AMEI, Artigos, Assuntos Globais, América Latina, Capa • Visualizações: 156
assuntos Estratégicos
André Luiz Reis da Silva
julho de 2023
Uma colaboração do Associação Mexicana de Estudos Internacionais
Mais de uma década após o término do segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, que terminou em dezembro de 2010, a política externa brasileira mudou drasticamente. Em 2010, o Brasil conquistou prestígio internacional, com forte atuação em diversos cenários mundiais. Na década seguinte, os efeitos das crises interna, política e econômica, e as transformações da ordem internacional, atingiram os alicerces do modelo de inserção global do país, enfraqueceram-no e mostraram seus limites. O resultado foi o desmantelamento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a retirada de parceiros tradicionais, a cooperação Sul-Sul enfraquecida e o Brasil perdeu a posição de parceiro confiável. Nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o patrimônio diplomático conquistado na primeira década do século 21 foi consumido e o Brasil encolheu.
Em 2022, Lula voltou à presidência para um novo mandato que começou em janeiro de 2023. Foi eleito no segundo turno com mais de sessenta milhões de votos, e com enormes desafios nacionais e internacionais pela frente. Internamente, as tarefas incluem conter o aumento da pobreza, pacificar politicamente o país, fortalecer as instituições nacionais e democráticas e relançar o desenvolvimento econômico. Externamente, o desafio é reposicionar o Brasil no mundo. Até agora, nos primeiros meses do governo de Loula, a frase principal foi “O Brasil está de volta”, o que reflete o desejo de recuperar a projeção internacional do país.
De fato, por seu tamanho, suas responsabilidades e seus interesses, o Brasil não pode atuar com uma política externa retraída. No entanto, é importante observar adequadamente a real capacidade do país (tanto em termos militares, quanto políticos e econômicos), pois o jogo de poder nas relações internacionais é complexo e más decisões podem trazer sérias consequências. Por outro lado, é claro que o governo de Loula, em sua essência, rompe com a política externa do governo Bolsonaro. De qualquer forma, entende-se que a volta de um presidente ao poder, em um novo contexto, implica mudanças na política externa. Então, qual pode ser a comparação possível com o governo anterior?
A retomada de uma política externa
A atual política externa do governo Lula trabalha com uma matriz semelhante à inserção internacional praticada em seus dois primeiros mandatos (2003-2010), que teve como base o aprofundamento da integração regional na América do Sul, ou seja, a retomada da tradição multilateral brasileira de perfil crítico das assimetrias dos mercados internacionais e a busca de alianças estratégicas com países congêneres, bem como em grupos de coalizão como o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), o G-20 na Organização Mundial do Comércio (OMC) e os BRICS (Brasil, Rússia , Índia, China e África do Sul).
Vê-se que, de modo geral, as orientações da política externa do governo do Lula são semelhantes aos de seu primeiro mandato, iniciado em 2003. No entanto, as mudanças contextuais e as lições aprendidas na última década estão transferindo adaptações necessárias para a atual matriz de política externa. Esses primeiros 6 meses de governo permitem avaliar que as prioridades da política externa são a recuperação da credibilidade, a prioridade da agenda ambiental, o fortalecimento dos BRICS, a cooperação regional, a cooperação Sul-Sul e o fortalecimento do multilateralismo. O retorno do embaixador Mauro Vieira ao cargo de ministro das Relações Exteriores, que foi chanceler no governo de Dilma Rousseff, deposto por exoneração em maio de 2016, significa de certa forma a retomada de um processo então interrompido.
Em discursos inaugurais Lula e do chanceler Vieira, foram elencadas as prioridades da política externa brasileira, recuperar sua identidade de grande país sul-americano e em desenvolvimento, recuperar a confiança e voltar a ser um país com interesses globais. Do ponto de vista multilateral, os objetivos são a construção de uma agenda ambiental ambiciosa, a liberação das negociações da OMC, a ampliação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e a reforma das instituições financeiras internacionais. E a questão ambiental é o grande desafio estratégico que deve retomar seu lugar central na agenda internacional do Brasil.
Nas relações bilaterais, defende-se uma posição universalista, abrindo possibilidades de alianças em diversas regiões. Ele busca recuperar uma posição equilibrada no Oriente Médio e manter um relacionamento maduro e igualitário com os Estados Unidos. Defende-se uma estratégia ambiciosa para a Ásia-Pacífico e, em particular, para a China, Índia e Japão. São mencionados grupos e coalizões com geometria variável, como o fortalecimento do G-20, dos BRICS e do IBAS. A África e a cooperação Sul-Sul também aparecem como prioridade.
Na América do Sul, o renascimento da Unasul faz parte dos objetivos, mas com uma nova ênfase, defende-se “a ideologia da integração” e uma abordagem mais pragmática. De fato, a crise da Unasul e seu desmonte nos últimos anos implicam um reequilíbrio e uma mudança de orientação. O Brasil pretende contribuir, por meio do diálogo, para a superação dos conflitos internos dos países, respeitando a soberania, com base na democracia e nos direitos humanos. Uma das grandes provas da diplomacia brasileira será exercer seu papel de mediador na questão venezuelana. Em abril de 2023, o Brasil anunciou seu retorno à Unasul e, no final de maio, recebeu os presidentes sul-americanos em Brasília.
os primeiros movimentos
Até agora, o governo de Lula Tem procurado abrir canais de diálogo e retomar a cooperação com vários países e regiões. Até junho de 2023, Lula visitou Argentina e Uruguai (janeiro), Estados Unidos (fevereiro), China, Emirados Árabes Unidos, Portugal e Espanha (abril), Reino Unido e Japão (maio), l Itália, Vaticano e França (junho), e recebeu vários chefes de Estado e Governo. No total, ele se reuniu com mais de trinta chefes de governo. A viagem ao Japão, para participar como convidado do G-7, foi uma das mais emblemáticas, posicionando o país à frente das grandes potências. Durante a reunião, o presidente Lula Afirmou as bases da nova política externa e realizou dez reuniões bilaterais. Mas a situação da visita “surpresa” do presidente ucraniano ao evento e as divergências sobre uma agenda bilateral Volodimir Zelensky-Loula, Eles acabaram causando desconforto.
As viagens à Argentina, Estados Unidos e China representam alguns dos pilares da inserção internacional do Brasil. Com a Argentina, é fundamental a retomada da associação bilateral, eixo importante para a articulação e retomada da integração regional. Com os Estados Unidos, o diálogo concentrou-se na análise de grandes questões internacionais, como democracia, mudança climática e governança global. A visita à China marcou o reatamento da associação estratégica bilateral, com a assinatura de vários acordos. A crescente importância da China levantou questões sobre o papel e os interesses do Brasil na transição hegemônica. Para já, é preciso “aliviar o drama” da relação com a China e procurar um caminho equilibrado, alinhado com os interesses nacionais e com apoio regional.
A crescente importância da China levantou questões sobre o papel e os interesses do Brasil na transição hegemônica.
Mas é a posição brasileira sobre a guerra na Ucrânia que mais questiona. Nestes primeiros 6 meses de governo, a diplomacia brasileira tem procurado encontrar um ponto de equidistância e um momento que lhe permita se posicionar como mediadora nas negociações para o fim do conflito. Embora seja uma situação de contestação vigorosa, os movimentos, os canais abertos de diálogo e, em particular, as palavras do Presidente Lula eles foram criticados como apoio incondicional à Rússia, o que atraiu fortes críticas internas e internacionais no Ocidente.
O Brasil resistiu à pressão para aderir à posição e ao discurso ocidentais, que definem a Rússia como um dos grandes inimigos coletivos do século 21, ressignificando a Guerra Fria do século 20, e que ignorariam a responsabilidade do Atlântico Norte Organização do Tratado no conflito. A posição brasileira tem sido defender o direito internacional, criticar a guerra e a invasão de países e defender a paz. Além disso, entende-se que a negociação seria a melhor alternativa para evitar uma escalada geral do conflito russo-ucraniano. Entre os BRICS, por exemplo, o Brasil é o país que mais expressou posições críticas sobre a Rússia, inclusive durante as votações na ONU. No entanto, o Brasil enfrenta um dilema comum entre as potências médias, que é pesar seu desejo de projetar poder contra suas reais capacidades.
Os desafios do novo contexto
Houve um aprendizado significativo na última década. A estratégia da política externa brasileira baseava-se no dogma de que a elite nacional apoiaria a construção de um país moderno e desenvolvido, que disputaria um protagonismo internacional. No entanto, parte da elite comercial, militar, política e agrária não compartilha do interesse de uma política externa mais assertiva, autônoma e altiva. A embriaguez ideológica, os interesses setoriais e as contradições de uma economia dependente e de uma opinião pública neoliberal e conservador contrabalançam um projeto de política externa mais autônomo.
Do ponto de vista internacional, a expansão da competição sistêmica na última década, com suas facetas geopolítica, militar e econômica, exerceu pressão sobre as definições da política externa brasileira, o que limitou suas capacidades de poder relativo, especialmente no contexto de a pandemia. Dessa forma, as novas restrições internas e internacionais são importantes delimitações do projeto de política externa lançado pelo governo de Lula. A questão ambiental, por exemplo, tem potencial para ser um terreno fértil para disputas e contradições. O cenário atual é muito mais difícil do que há 20 anos.
No entanto, o Brasil continua sendo um jogador importante; não foi eclipsado ou destituído de suas responsabilidades internacionais. Para alcançar os objetivos estratégicos de autonomia e desenvolvimento, a diplomacia brasileira deve desenvolver cuidadosamente seu potencial como mediadora de contradições e disputas internacionais. Além disso, terá que integrar ainda mais seus vizinhos sul-americanos e obter apoio para seu projeto de integração global. E, sobretudo, contribuir para a construção de políticas internacionais que respondam aos desafios sociais, econômicos, políticos e ambientais do nosso tempo.
ANDRÉ LUIZ REIS DA SILVA é doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professor do curso de Relações Internacionais e da pós-graduação em Ciência Política e Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS. É diretor da Associação Brasileira de Relações Internacionais (2019-2023). Contacte-o em reisdasilva@hotmail.com.
Tags:Brasil, Política Externa, Luiz Inácio Lula da Silva, Cooperação Sul-Sul, Lula
“Estudioso devoto da internet. Geek profissional de álcool. Entusiasta de cerveja. Guru da cultura pop. Especialista em TV. Viciado em mídia social irritantemente humilde.”