La Paz, 21 de janeiro de 2023 (ANF).- A prisão do governador de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, desencadeou um novo cenário de conflito e instabilidade que não encerra o ciclo, em que lideranças políticas utilizam a democracia como instrumento político.
A Agência Fides de Notícias (ANF) organizou uma conversa virtual no dia 13 de janeiro da qual participaram María Teresa Zegada, Pedro Portugal, Pablo Deheza, Claudia Condori e Sayuri Loza. Eles analisaram o contexto e as consequências dos recentes conflitos em Santa Cruz após a prisão de Camacho.
A política evolui em diferentes momentos: crise e relativa estabilidade que normalmente coincidem com certa hegemonia de um sujeito ou de um líder segundo determinados interesses. Gerador de estabilidade, mas sempre interrompido por momentos de conflito.
“Neste século na Bolívia vivemos um momento de tensão. A partir de 2008, entramos em um certo período de estabilidade, mas voltamos ao momento de tensão ligada ao enfraquecimento da hegemonia do MAS. O que aconteceu nesses anos foi que esperávamos que com as eleições de 2021 íamos entrar em uma certa estabilidade”, diz a analista política María Teresa Zegada.
Segundo ele, o “ponto mínimo de pacificação” não foi alcançado em um cenário pré-eleitoral prematuro. “Como o conflito de 2019 não foi resolvido, passou do primeiro dia para um acerto de contas político.”
Ele argumenta que esta situação provoca a reação da oposição fraca, pequena e fragmentada que apenas “sobe na crista dos conflitos”.
“Estamos num país fraturado e não só politicamente, onde obviamente os partidos se aproveitam disso. Essa questão de identidades ficou para trás, são elementos que não resolvemos na época e que estão tentando rearticular”, comenta Zegada.
Santa Cruz liderou a reivindicação para que o censo populacional e habitacional seja realizado em 2023, 36 dias de greve, um dos protestos mais longos que o departamento já realizou em sua história. Em seguida, enfrentou mobilizações após a prisão de Camacho.
Para Pedro Portugal, o problema é que na Bolívia “não temos nação” e que há “muitos conflitos regionais, identidades que não se consolidam, o mito de uma identidade como havia no Ocidente e a criação de um suposta identidade, assim como Potosí, Chuquisaca e Tarija”, explica.
A força se baseia em cada uma das histórias, “mas elas são irrelevantes até que tenham uma base econômica sólida, especialmente. Se em Santa Cruz são extensas é porque desempenham um importante papel econômico. Isso também acontece no nível provincial, o regionalismo é grande em La Paz. É uma nação desintegrada que não pode ser resolvida.”
A historiadora Sayuri Loza volta no tempo, argumenta que é essencialmente um jogo de poder, ou seja, qual elite deve governar. Isso aconteceu durante a guerra federal, depois durante a revolução nacional. Assim, o conflito político vem de muito tempo atrás.
O MNR que estava no governo enfrentava conflitos internos, lutas pelo poder, situação semelhante à que vive o Movimento pelo Socialismo. “A mesma coisa acontece em 1982 quando falamos da defesa da democracia. A grande joia sempre foi a democracia”, diz.
Assim se justificam os discursos, por exemplo, no MAS e nos Creemos. Afirma-se que Camacho foi preso por defender a democracia, o presidente Luis Arce duvida que alguém esteja ensinando o governo a defender a democracia. “A democracia é sempre o grande instrumento sobre o qual são usados os instrumentos políticos, mas é um erro grosseiro acreditar neles”, diz Sayuri.
Ele atribui essa situação a um interesse puramente eleitoral em vista das eleições de 2024. Nesse interesse, ele argumenta que o presidente Luis Arce não prendeu Camacho pela morte de Senkata, mas para enviar sinais e mostrar uma força que não tem e um poder que ele não possui.
“Ele espera que, quando a crise econômica começar, ele tenha pelo menos legitimidade com as pessoas que o levaram ao poder, que são os que pediram o julgamento de Camacho. Para que quando há uma crise as pessoas digam que pelo menos o Camacho está preso (…) É um gesto político, não é uma reivindicação ideológica”, diz.
Por seu turno, Pedro Portugal defende que existem no país falhas permanentes que não foram colmatadas, que têm a ver com a “inconformidade de uma nação integrada e de um Estado funcional. As reivindicações de Santa Cruz são históricas”, afirma.
“É o mesmo padrão se repetindo e sempre acabam da mesma forma, são protestos por desenho do estado e reprimidos pelos governos, mas depois os governos investem muito nessas áreas e as manifestações se acalmam. Santa Cruz continua como o baluarte da o que era repressivo”, argumenta.
Claudia Condori aponta para a falta de liderança, a imagem de Camacho como líder é difusa, uma situação complicada porque imediatamente no departamento de Santa Cruz a liderança não é visível e neste contexto no MAS embora tenham lutas internas “são felizes” porque não têm nenhum “inimigo claro” à sua frente. “Estamos nesta aventura da democracia onde não sabemos o que é a democracia.”
O MAS foi um partido que deveria ter completado seu ciclo, vários elementos o fizeram perdurar. Entraram num conflito interno que poderia ter-se agravado como aconteceu nos tempos do MNR, mas o MAS solda as suas diferenças internas porque surge um inimigo externo”, explica Portugal.
Da mesma forma, Santa Cruz não tem capacidade política para convocar o povo do resto do país e pedir união. Seus líderes políticos têm a posição de dizer que graças a eles o resto está comendo e que agora não enviarão mais comida. Até que Santa Cruz tenha uma abertura política com o resto do país, ficará relegado junto com suas reivindicações, que também só reforçam identidades e messianismos locais e não veem responsabilidade nacional agravando ainda mais os problemas estruturais ao invés de resolvê-los.
Ele sustenta que é preciso saber soldar identidades, criar símbolos e criar discursos comuns. (…) A gente passou por um momento de exacerbação da identidade. Ao que Pablo Deheza argumenta que há dois elementos a destacar, o cruceñismo e a política das identidades que estão vinculadas. Localismos existem em todos os lugares.
“Agora, em termos de identidade de Santa Cruz, no entanto, o trabalho foi feito politicamente. As elites políticas impõem mitos de poder para controlar o poder e estabelecer e legitimar seu controle do poder e isso aconteceu de forma extrema em Santa Cruz”, explica.
DISCUSSÃO: O QUE OS CONFLITOS DE SANTA CRUZ REVELAM Através dos ANF no Scribd
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