Portugal contrata enfermeiros a quatro euros por hora | Internacional

A enfermeira Ângela Mendes começou esta semana a trabalhar no centro de saúde de Torres Novas (Central), localizado a 90 quilómetros a norte de Lisboa, com um salário que abalou a sociedade portuguesa: quatro euros por hora. Ao retirar descontos e impostos, Mendes estima que no final do mês ganhe cerca de 250 euros. Portugal é um país afogado por cortes em todos os sectores públicos, onde os pagamentos adicionais aos funcionários públicos e reformados desapareceram em…

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A enfermeira Ângela Mendes começou esta semana a trabalhar no centro de saúde de Torres Novas (Central), localizado a 90 quilómetros a norte de Lisboa, com um salário que abalou a sociedade portuguesa: quatro euros por hora. Ao retirar descontos e impostos, Mendes estima que no final do mês ganhe cerca de 250 euros. Portugal é um país afogado em cortes em todos os sectores públicos, onde os pagamentos adicionais aos funcionários públicos e reformados desapareceram no Outono e onde os salários estão em queda livre, mas os quatro euros por hora de novos contratos de cerca de sessenta enfermeiros de hospitais e sanatórios públicos em certas regiões do país foram, para muitos, a gota d’água que quebrou as costas do camelo da austeridade suportável. Mendes, 25 anos, dois anos de experiência e quatro anos de carreira, que até há poucos meses ganhava cerca de 700 euros por mês, encolhe os ombros e explica os dois motivos que o levam hoje a trabalhar: “O primeiro , porque adoro meu trabalho; a segunda, porque moro perto do sanatório e não gasto um único euro com transporte ou alimentação. Esta é a única maneira de torná-lo lucrativo. A verdade é que no último minuto nos arrecadaram quatrocentos. Não sei se devo tirar sarro de nós ou o quê.

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O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses denunciou a situação e considera que estão em causa “a dignidade da profissão, a dignidade dos cuidados de saúde e a dignidade do Serviço Nacional de Saúde”, e denuncia também a razão pela qual estes profissionais ganham tanto pouco: “ Para reduzir custos, para que os direitos não sejam consolidados, o Estado contrata empresas que, por sua vez, subcontratam enfermeiros”, explica a porta-voz do sindicato, Guadalupe Simões. O ministro da Saúde português, Paulo Macedo, em resposta à polémica que surgiu, garantiu que iria investigar a contratação destes enfermeiros extravagantes, mesmo que o sindicalista Simões suspeite que este gesto mude alguma coisa.

Entretanto, há enfermeiros que recusaram o contrato. Marta (nome falso porque o interessado não quer revelar a sua identidade para evitar represálias), de 27 anos, preferiu ficar em casa: “Fiz o cálculo e entre pagar a Segurança Social, porque nós, que somos, em teoria, trabalhador independente, tinha de pagar este e outros impostos, sobravam-me 259 euros por mês. Eu não poderia trabalhar com isso. É mais lucrativo para mim dizer não, porque assim não pago transporte nem qualquer outra coisa”, explica. Nos seus empregos anteriores, Marta ganhava cerca de 750 euros por mês. “Já nessa altura fui a um banco pedir um empréstimo para tentar comprar uma casa. E a pessoa do banco, antes de me recusar o dinheiro, me perguntou: só enfermeiro ganha isso? “Não quero nem saber o que ele diria agora”, acrescenta.

João César das Neves, economista português e ex-assessor do governo, disse há dois dias no jornal português Público que estas práticas são o resultado de um ajustamento “brutal e talvez exagerado”. E acrescentou: “De repente não há dinheiro e estão a tentar reverter a situação. » [de las cuentas del Estado] da noite para o dia, de repente, a um custo elevado e inaceitável.

Angela Mendes, 25 anos, dois anos de experiência e quatro anos de carreira, ganhava cerca de 700 euros por mês e agora vai ganhar 250

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Das Neves não se referia apenas ao caso das enfermeiras, que se tornaram uma espécie de símbolo atual do que está acontecendo no país. De acordo com dados de Público, os salários portugueses caíram, em média e só durante o primeiro trimestre deste ano, 3,9%. Este mesmo jornal especifica que já existem professores pagos pelas câmaras municipais que não cobram mais de cinco euros.

Entretanto, Ângela Mendes, a enfermeira que aceita o saldo do salário, ficará responsável por tratar as feridas dos feridos, fornecer doses de metadona aos toxicodependentes que participem em programas de reabilitação ou compareçam a determinadas consultas, entre outras atribuições. A outra, Marta, a que não aceitou, já pensa em emigrar. Última quarta-feira, a edição digital do Café expresso informou que os hospitais franceses, suíços e alemães estão atualmente prontos para contratar dezenas de enfermeiros portugueses já formados. E apontou o salário de uma enfermeira francesa como motivo convincente para sair de Portugal: 1.500 a 2.300 euros por mês.

Francisco Araújo

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