Os rótulos dos grandes eventos são sempre colocados como uma “reflexão”, mas poucos tiveram tanto “a priori” quanto o do Catar: bem-vindo à Copa do Mundo mais polêmica, estranha e artificial da história. Por trás das figuras do esporte (32 times, 831 jogadores, 296 clubes e 56 ligas representadas) escondem-se outras figuras humanas (6.500 mortos na “produção” do evento) compondo um escândalo histórico sem precedentes… um mês. 64 jogos, para ser mais preciso.
No futebol puro, a Europa dominou os últimos quatro campeonatos mundiais (Itália em 2006, Espanha em 2010, Alemanha em 2014 e França em 2018) e a América do Sul considera que é hora de reivindicar o trono de ouro. Brasil e Argentina aparecem no Catar como os dois grandes favoritos, cada um à sua maneira. Um nesta soma anárquica e bela de individualidades que sempre ofereceu (com uma constelação de atacantes como nunca apresentou), e o outro porque conseguiu fechar as rachaduras e finalmente se unir em torno de Leo Messi, faminto como sempre em seu desafio de “caçar” Maradona.
Eles são os dois marcados para a glória do outro lado do ‘lago’, cortesia do sempre competitivo Uruguai, um dos times de garra de ferro capazes de ferir fatalmente qualquer um em uma partida. E perante a estagnação do futebol asiático e africano, o Velho Continente volta a apresentar o maior número de candidatos.
Na ausência da Itália, as galinhas continuam dominadas pelos eternos suspeitos de sempre. A França, infelizmente defensiva apesar de tantas “bombas” no ataque, protege a sua coroa com os mesmos argumentos que a entronizou na Rússia: músculo, mais músculo, um pouco mais de músculo… e que Mbappé se aguente. Ele é quem precisaria de menos futebol de todos os participantes para chegar à Copa.
Atrás dos franceses, ou ao seu nível, está uma Inglaterra cuja aposta no primeiro-ministro resulta na consagração da melhor geração em décadas: meias-finais na Rússia ’18, final no Euro’21… A sua equipa, obstinada Alemanha , rejuvenescido e eternamente favorito; uma Bélgica que finalmente quer um reconhecimento digno para a melhor geração de sua história; uma Espanha jovem, desconfortável e sem vergonha, o rival que ninguém quer enfrentar; o Portugal das estrelas decadentes misturado com as novidades; e as possíveis surpresas de blocos de concreto como a Dinamarca, que já foi semifinalista da Euro, ou a Suíça, que já eliminou a França desta mesma Euro.
triste “lado B”
Por trás do brilho de uma bola que lembra o pêndulo do hipnotizador, o Catar esconde um “lado B” cheio de putrefação: corrupção, desperdício econômico, desrespeito aos direitos humanos e milhares de mortes na construção não só de estádios, mas de toda a infraestrutura necessária para receber um Copa do Mundo, como um novo aeroporto, quilômetros e quilômetros de rodovias… Quase 225 bilhões investidos para criar um campeonato de inverno (o primeiro da história) tão artificial quanto as falsas torcidas que aparecem nas ruas. O Brasil’14, por exemplo, não chegou a 13,5 bilhões em infraestrutura.
Milhares e milhares de trabalhadores do Nepal, Índia ou Bangladesh trabalharam em condições extremas: mais de 42 graus em média, até 50 no verão, quando a OMS indica que depois de 32,5 é necessário parar para evitar lesões. ONGs estimam mais de 6.500 mortos em fevereiro deste ano. Acrescentando a tudo isso o fato de que certos direitos humanos fundamentais não são respeitados no Catar, que as mulheres têm menos direitos que os homens perante a lei ou que a homossexualidade é ilegal e que a mídia não é livre, será preciso gritar “Gol!” mais forte do que nunca para encobrir tanta miséria.
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