Evangélicos de Lula, minoria contra a ofensiva bolsonarista nas igrejas | Internacional

Apoiadores evangélicos de Lula da Silva rezam durante comício político nos subúrbios do Rio de Janeiro, em setembro de 2022.Rodrigo Abd (AP)

Na Igreja Batista Agua Blanca, em São Paulo, há mais rock do que sermão. “Seu amor nunca falha, seu amor nunca acaba…” canta o coral, formado em sua maioria por mulheres, muitas delas negras. A idade média dos participantes é de cerca de trinta anos. Assim que a música termina, o pastor sobe ao palco, vestido com jeans skinny e camisa preta abotoada até o pescoço como descolados, e rebate os “gritos” que abafam os pedidos de socorro: “Palavras gentis deixaram de existir. ”.

Ao contrário de outros grupos evangélicos que assumiram uma posição muito ativa em favor da reeleição do presidente Jair Bolsonaro, não há chamadas para votar aqui. A corrente batista, cujas origens remontam à Inglaterra do século XVII e que foi objeto de perseguição religiosa em vários momentos da história, tem como princípios fundamentais a separação entre Igreja e Estado e a liberdade de consciência de seus fiéis. Em um momento em que os líderes evangélicos são majoritariamente bolsonaristas, a neutralidade de Agua Blanca é um oásis para o terceiro dos fiéis que votou em Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno.

E também para Lula, que tem uma ascensão meteórica nesse setor da sociedade brasileira. Em 19 de outubro, espalhar um carta aos evangélicos onde prometeu que não fecharia igrejas nem imporia banheiros unissex em locais públicos, duas das mentiras que o bolsonarismo espalha nas redes sociais para ganhar votos nas igrejas. O candidato lembrou ainda que foi sob seu governo que se estabeleceu o grande partido anual dos evangélicos e que, se dependesse dele, o aborto não seria discutido. Mas, esclareceu de imediato, “lembro a todos que esta não é uma questão que é decidida pelo Presidente da República, mas sim pelo Congresso”.

No auditório Agua Blanca, Maria Nilda, 53, e Rebeca Quintinho, 23, balançam, batem palmas e cantam o refrão de memória. A mãe e a filha, que são negras, e o namorado desta última, Gustavo Vilela, dizem que vão votar em Lula. Eles não acreditam em nenhum dos notícias falsas que circularam nas últimas semanas, impulsionados pela campanha de Bolsonaro. Fechamento de igrejas em caso de vitória do Partido dos Trabalhadores? “Mentiras seriam inconstitucionais!” Perseguição de cristãos e pastores? “Que perseguição! A perseguição está dentro das igrejas, cristãos contra cristãos.

Eles sabem do que estão falando. Chegaram a Agua Blanca depois de terem fugido de um grupo neopentecostal, outra corrente do universo evangélico. “Era opressivo. Não havia liberdade para ser quem éramos”, dizem mãe e filha, a primeira contadora e segunda estudante portuguesa. Quintinho, por exemplo, já foi coagido pelo pastor a deletar um post de mídia social que dizia: ” Quem canta, o mal tem medo. O pastor viu um tom subversivo na frase”.Disseram que era da Xuxa [la famosa presentadora de televisión que pidió el voto por Lula] e que ela era o diabo. Após o evento, ela também foi expulsa do grupo de dança da comunidade.

“É um fenômeno real com consequências imprevisíveis”, explica Vinicius do Vale, doutor em ciência política e diretor do Observatório Evangélico. “Por causa da propaganda e da pressão para votar em Bolsonaro, muitos evangélicos estão abandonando suas igrejas de origem e se voltando para outras siglas. Ou porque estão chateados ou porque se sentem perseguidos”, explica.

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Gustavo Vilela era membro da Assembleia de Deus, a maior congregação evangélica do Brasil. Um de seus líderes é o Pastor Silas Malafaia, que se casou com Jair e Michelle Bolsonaro e que chegou a dizer que “pior que estupro é assassinato”, em referência ao aborto legal realizado em uma menina de 10 anos que havia sido estuprada. Vilela, um estudante de ciência da computação de 26 anos, decidiu deixar a igreja em 2018 quando viu que o púlpito estava começando a ser usado, não para pregar o evangelho, mas para divulgar slogans partidários. Bolsonaro acabou vencendo a eleição graças, em parte, ao alto apoio dos evangélicos.

Lula da Silva recebe oração de David Mikami, de 9 anos, durante apresentação de
Lula da Silva recebe oração de David Mikami, de 9 anos, durante apresentação de ‘Carta aos Evangélicos’ em evento de campanha em São Paulo, 19 de outubro de 2002.Sébastien Moreira (EFE)

Um terço da população

Como o último censo foi realizado no Brasil em 2010, todos os números referentes à população são estimativas ou resultado de pesquisas e cálculos privados. Com essas exceções, sabemos que enquanto os católicos declarados representam aproximadamente metade da população (108 milhões), os evangélicos já chegam a um terço (65 milhões). No ritmo atual de crescimento, levará uma década para o relacionamento se reverter. As igrejas evangélicas pentecostais também cresceram 299% entre 1998 e 2017, em comparação com 149% dos evangélicos tradicionais e 74% dos católicos, segundo pesquisa da Forbes. A cada ano, 14.000 templos protestantes são abertos no Brasil, mais de um a cada hora. Daí o peso eleitoral dessa parcela do eleitorado, que votou entre 60% e 65% em Bolsonaro. “O resto é dividido entre os indecisos e o voto em Lula”, diz Do Vale.

Esse voto evangélico em Lula está mais concentrado no Nordeste e é sobretudo feminino. São pessoas que não defendem o aborto legal, agenda clássica da esquerda, mas “não dão mais crédito ao notícias falsas promovida por Bolsonaro, que diz que Lula vai fechar as igrejas”, diz Do Vale. “Elas são contra os modos grosseiros e antifeministas do presidente e têm más lembranças de como ele lidou com a pandemia. Por isso, muitos votos em Lula vêm das mulheres, que muitas vezes tiveram que cuidar de suas famílias”, diz.

Graciela Leite é escritora, nasceu e cresceu em uma igreja batista em Petrópolis, cidade de mais de 200 mil habitantes no estado do Rio de Janeiro. No domingo, ele vai votar em Lula. “Há uma parte dos evangélicos que foram vítimas de pastores que manipulam seus seguidores para votar em Bolsonaro. Mas a preocupação desses pastores não são seus seguidores, é o poder. Eles têm grandes influências e usam essas influências para aumentar a sua própria”, explica.

Na Igreja Batista Agua Blanca, Eduardo Fetterman, um dos pastores, se distancia desses grupos. “Nós nunca diríamos, ‘Vote em A ou B'”, diz ele. “Eu não vejo essa batalha que eles estão falando entre um lado sagrado e um lado inimigo. Minha denominação não está em jogo nesta eleição e não estou preocupado com a religião do presidente; o que é fundamental são suas propostas em termos de saúde pública, educação…”.

Antes de se tornar pastor, Fetterman, 37, era repórter de um jornal local. Ele também gosta do contrabaixo, que guarda atrás da porta de um escritório cheio de livros. Seu favorito é o chamado “Espiritualidade Subversiva”. Para explicar por que 60% dos evangélicos apoiam Bolsonaro, Fetterman aponta para a quebra de pontes entre as igrejas e a esquerda. “No campo sempre houve um elemento religioso, e tem sido mais forte à direita. Talvez a esquerda não tenha percebido que estava perdendo terreno. Também pode ser que as igrejas tenham sido fechadas à esquerda”, diz Fetterman.

Como os lulistas evangélicos harmonizam suas crenças religiosas com algumas políticas de esquerda que as contradizem? “Não posso impor minha fé e minha religião a outra pessoa”, responde Graciela Leite, “o Brasil não é um país de evangélicos, é um país de pobres e ricos, de negros e brancos, do mundo inteiro. Quando voto, não penso apenas em mim. É também o caso de Quintinho e Vilela, que ingressaram na universidade graças às cotas que Lula estabeleceu para jovens carentes. “Em um país tão desigual”, dizem eles, “há muito mais coisas a temer do que um banheiro unissex”.

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Francisco Araújo

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