Forças estrangeiras intervieram na Guerra Civil Espanhola, que, de acordo com seu credo ideológico, escolheram um lado ou outro. A favor de Franco, principalmente a Itália Fascista e a Alemanha Nazista, pela qual logo optaram no início da guerra, enquanto do lado governamental foram as Brigadas Internacionais e a Rússia comunista de Stalin, que não apenas deram sua ajuda material, mas também técnica e conselho político. Os apelos do recém-constituído Comitê de Não Intervenção, patrocinado pela França e pela Inglaterra, foram inúteis para evitar essa presença estrangeira na Espanha.
No entanto, face a tudo isto, o menor interesse do ponto de vista histórico levou à intervenção de Portugal no nosso último concurso. Governado por António Oliveira Salazar, que instituiu o chamado Estado Novo em 1933, era na realidade um regime corporativista autoritário, misto de conservadorismo, tradicionalismo e colonialismo, com evidente controlo do poder legislativo. De resto, sendo António Oliveira Salazar católico, o regime sempre teve o apoio da Igreja, embora marcando certas distâncias. Assim, embora não respondesse como deveria às características do fascismo convencional, o Estado Novo, sempre com uma política internacional cautelosa, senão ambígua (a Inglaterra sempre pesando sobre ela), nunca renegou a sua simpatia pelos regimes fascistas, enquanto mostrando sua firme rejeição de qualquer ditadura comunista.
Salazar, notável economista e brilhante professor da Universidade de Coimbra, era um homem misantropo e desonesto, que sempre agiu a partir de uma posição académica, desdenhosa e algo distante do seu povo. Com o tempo, viria a dizer que Portugal era o país dos três “efes”: Fátima, fado e futebol.
O apoio de Portugal a Franco
Escusado será dizer que se o modelo político da Segunda República se enraizou na vizinha Espanha, mais cedo ou mais tarde toda a sua estrutura poderá ser posta em causa, ameaçando a sua estabilidade e até o seu futuro. Segundo o embaixador republicano espanhol em Lisboa, o lerrouxista José Juncal (1933-1936), com este novo regime, Portugal seria “um estado rico habitado por cidadãos pobres”.
Assim, desde o início da guerra, Salazar deu grande apoio moral à vertente nacional, sendo as emissões em espanhol feitas pela Radio Club Portugués, nas quais se destacou a locutora María Isabel de la Torre. Por vezes em colaboração com a Rádio Sevilha, onde foram conhecidas as palavras do General Queipo de Llano, dado que os meios de comunicação social lusitanos, sobretudo a sua imprensa, não hesitaram em apoiar a Espanha nacional desde o início. Foi precisamente o Diário de Lisboa que publicou em pormenor o assassinato do general Eduardo López Ochoa nas mãos de membros incontroláveis da Frente Popular, enquanto se recuperava num hospital de Madrid. Acontece que o referido general foi enviado pela própria República para reprimir as revoltas nas Astúrias em 1934.
Por seu lado, o governo português forneceu todo o tipo de facilidades para o envio de material de guerra para a Espanha rebelde pouco depois de 18 de julho de 1936. Em 20 de agosto, o encarregado de negócios nazista informou que dois navios alemães haviam partido de Lisboa para a Espanha “sem qualquer dificuldade”. Além disso, Salazar vangloriou-se de eliminar “todas as dificuldades por iniciativa pessoal” e, à medida que as tropas nacionais avançavam da Andaluzia para o norte, não poupou oportunidade de mostrar sua animosidade para com a causa republicana espanhola. Em 24 de setembro, questionou a eficácia do Comitê de Não Intervenção, alegando que “o comunismo está travando uma batalha formidável na Península”. Em 4 de outubro, o ministro das Relações Exteriores da Espanha, Julio Alvarez del Vayo, reclamou ao governo português que estava “fornecendo aos rebeldes material de guerra sem restrições” e fornecendo-lhes “todo tipo de ajuda”. Também que os refugiados políticos viciados na legalidade republicana foram entregues, do país vizinho e sem muita consideração, ao golpe militar que os submeteu “a um regime feroz”.
A Legião de Viriato
A partir daí, os acontecimentos precipitaram-se nas já extremamente tensas relações entre Portugal e Espanha, pois a 10 de outubro de 1936, os delegados portugueses, em claro desacordo com a União Soviética, retiraram-se da Comissão de Não Intervenção. No dia 23, Portugal rompeu relações diplomáticas com o governo da Frente Popular e, um mês depois, um grande comboio de 186 caminhões com alimentos e remédios chegou a Salamanca para ajudar Franco. Nicolás Franco, irmão do general, mudou-se para Lisboa para se encarregar da compra de armas e tornou-se embaixador “de facto” da Espanha, suplantando assim o titular, Claudio Sánchez Albornoz. Em 1938, estaria oficialmente, tendo ainda mais acesso a todos os recursos inerentes à sua nova função.
Quanto à participação militar em si, embora houvesse voluntários portugueses a apostar na causa republicana, é óbvio que a ajuda militar que Salazar poderia prestar a Franco seria bastante rara, compensada, sim, por oferecer o seu país como refúgio aos conspiradores contra a República e uma fronteira como meio de comunicação para eles. A informação sobre o uso que temos dessa participação limita-se à chamada “Legiao Viriato”, uma denominação puramente eufemística, dado que nunca teve estrutura própria e seus membros inscritos em outras forças espanholas diferentes, como o Falangista ou Requeté nas milícias, na legião ou nas unidades do exército nacional. Assim, não se sabe com certeza o número de soldados portugueses que a compuseram, a forma como foram organizados e as batalhas em que participaram, uma vez que os dados não são fiáveis e ainda há muitos aspetos a estudar. Menos ainda o número de feridos ou mortos em ação. Os números variam de um único batalhão aos 30 mil oferecidos pelo diplomata Franco Nogueira, ou aos 10 mil do ex-ministro salazarista Botelho Moniz. Aliás, esse pequeno detalhe ainda é curioso vindo dos próprios historiadores portugueses. De sua parte, Hugh Thomas, embora tenha inicialmente optado por cerca de 20.000 voluntários, logo admitiria que sua estimativa era bastante grande. No fundo, é muito provável que estes voluntários não ultrapassassem os 8.000 combatentes, embora a propaganda salazarista tenha aumentado o seu número no final da guerra civil, sem dúvida para sublinhar a ajuda portuguesa a Franco.
Por outro lado, temos informações precisas que podem ajudar a esclarecer um pouco a entidade da “Legiao Viriato”, como a chamada “Missão Militar Portuguesa de Observação em Espanha”, que Salazar enviou ao nosso país para supervisionar estes voluntários. Composto por 140 membros no total, liderados por um general, Raúl Esteves, acompanhado por dois coronéis, três tenentes-coronéis e um bom número de oficiais, sugere que, com uma missão desta envergadura, o número de “viriatos” não não deve ser muito baixo. No entanto, há alguma confusão em relação ao general Esteves, um eminente engenheiro militar, pois em alguns autores ele também aparece, provavelmente por engano, como o líder supremo da “Legiao”. Escusado será dizer que Portugal sempre insistiu na voluntariedade destes homens, uma vez que não participaram oficialmente na guerra.
Atos espanhóis de gratidão
Após a guerra civil de 1939, homenagens pomposas são pagas pelos vencedores a soldados italianos e alemães que já retornaram aos seus respectivos países, embora, de forma mais discreta e, claro, menos eloquente, certos atos públicos sejam realizados . em agradecimento pela ajuda portuguesa.
Em Burgos, foi transmitido pela Rádio Nacional um programa dedicado ao louvor da Legião de Viriato, com a intervenção principal do poeta Eugénio Montes. Mais solene foi a concentração de 6 de junho na Plaza Mayor de Salamanca, durante a qual os legionários portugueses foram revistos pelos comandantes espanhóis, incluindo o general Kindelán. Várias condecorações foram atribuídas e seguiram-se discursos, com o Capitão Botelho a falar do lado português. Até que, no que entendemos como um caso de taumaturgia derivado da propaganda mística, muito própria do catolicismo nacional, a imprensa ecoou um “evento milagroso” ocorrido em Saragoça. Foi que um voluntário português, Américo Emílio, cego por ferimentos de combate, depois de rezar na Basílica do Pilar, recuperou completamente a visão para perplexidade dos médicos. Houve até um jogo de futebol em Sevilha entre Portugal e uma equipa andaluza.
No dia 12 de junho, uma delegação espanhola, chefiada por José María Pemán e pelo general Millán Astray, realizou em Lisboa um ato solene em reconhecimento oficial à ajuda portuguesa. Após a actuação do célebre pianista cádiz José Cubiles, que interpretou várias peças de música espanhola, Pemán tomou a palavra (“Viemos de Espanha soldado e poeta”), para expressar que “nunca poderá agradecer suficientemente a Portugal pelo que esta nação fez nos tempos mais difíceis e incertos. Depois de uma canção poética aos portugueses caídos, continua: “Portugal era madrugador, a irmã do primeiro momento, aquela que nos devia a segurança de uma fronteira , enquanto na fronteira com a França, membros de gangues gentrificadas contemplavam o espectro de um país em chamas”. Embora reconhecendo que esta cooperação portuguesa tinha sido menos espectacular e conspícua do que a de outros países, tinha sido basicamente “tão eficaz como um factor importante e decisivamente influente”, pelo que Portugal “nos disse que poupou muito esforço no caminho para vitória dos nossos soldados na Extremadura, também elogiou “o valioso desempenho do Rádio Clube”.
A verdade é que, praticamente desde o início da guerra, José María Pemán havia se tornado, um pouco menos, o orador por excelência da causa nacional. Seus discursos, tanto na retaguarda quanto nas frentes de combate que visitou, exaltaram a Espanha tradicional, “disposta a salvar a civilização”, com fortes ataques não só ao marxismo e a tudo o que representava uma ditadura comunista, mas também ao liberalismo e à maçonaria, que ele continuamente ligado. Em discurso proferido em 9 de setembro de 1936, no Conservatório de Música de Cádiz, Pemán, que acabara de visitar Portugal, proclamou que alemães, italianos, espanhóis e portugueses “vibravam unidos pelo mesmo sentimento”.
Por fim, embora existisse sempre uma óbvia suspeita e até desconfiança entre os dois dirigentes, sobretudo nos anos da Segunda Guerra Mundial, quando se temia uma invasão espanhola em Portugal, o governo português impôs a Franco a mais alta condecoração deste país, o Grande Colar da Ordem da Torre.
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